
Por Paulo Padovani – Consultor em Cidadania Italiana
Introdução: A Revolução Silenciosa
A Lei 74/2025 introduziu uma das mudanças mais controversas na história da
cidadania italiana: a exigência de que o antepassado italiano tenha possuído
exclusivamente a cidadania italiana para transmitir este direito aos descendentes.
Esta mudança elimina milhões de ítalo-brasileiros do direito à cidadania, criando uma
discriminação sem precedentes baseada nas escolhas de naturalização de seus
antepassados.
Como consultor especializado em cidadania italiana com mais de 20 anos de
experiência desde 2005, acompanhei milhares de casos onde a dupla cidadania dos
antepassados nunca foi um impedimento. Esta mudança representa uma ruptura
radical com décadas de jurisprudência e prática consular, afetando especialmente a
comunidade brasileira.
O Princípio da Exclusividade: Uma Mudança Radical
Definição da Nova Regra
A Lei 74/2025 estabelece que a cidadania italiana só pode ser transmitida por
antepassados que possuíam exclusivamente a cidadania italiana no momento da
morte ou atualmente. Qualquer aquisição de outra nacionalidade pelo antepassado
italiano bloqueia automaticamente a transmissão da cidadania para todos os
descendentes.
Esta regra se aplica retroativamente, afetando casos onde o antepassado se
naturalizou brasileiro décadas ou até um século atrás. A lei não faz distinção entre
naturalização voluntária ou compulsória, nem considera as circunstâncias históricas
que levaram à aquisição da nacionalidade brasileira.
Impacto na Comunidade Ítalo-Brasileira
A exigência de exclusividade afeta desproporcionalmente a comunidade ítalobrasileira por razões históricas específicas:
Período de Grande Imigração (1880-1930): Muitos imigrantes italianos se
naturalizaram brasileiros para: – Exercer profissões regulamentadas – Participar da vida
política local – Facilitar negócios e propriedades – Integrar-se socialmente às
comunidades
Era Vargas (1930-1945): Políticas nacionalistas incentivaram ou forçaram a
naturalização de estrangeiros, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial.
Pós-Guerra (1945-1970): Muitos italianos optaram pela naturalização brasileira
buscando estabilidade e oportunidades econômicas.
Casos Típicos Afetados pela Nova Lei
O Comerciante de São Paulo
Giuseppe Rossi chegou ao Brasil em 1925 e abriu uma pequena mercearia no bairro do
Brás. Em 1935, para expandir seus negócios e obter crédito bancário, naturalizou-se
brasileiro. Seus netos e bisnetos, que sempre se consideraram com direito à cidadania
italiana, agora estão excluídos pela nova lei.
O Agricultor do Interior
Antonio Bianchi estabeleceu-se como agricultor no interior de São Paulo em 1920.
Durante o Estado Novo, foi pressionado a se naturalizar brasileiro como parte das
políticas de nacionalização. Seus descendentes, que mantiveram tradições italianas
por gerações, perderam o direito à cidadania italiana devido a uma decisão tomada
sob pressão política.
O Profissional Liberal
Marco Ferrari, engenheiro formado na Itália, imigrou para o Brasil em 1950. Para
exercer sua profissão e obter registro no CREA, precisou se naturalizar brasileiro. Seus
filhos e netos, que cresceram falando italiano e visitando a Itália regularmente, agora
não podem mais reivindicar a cidadania italiana.
Análise Jurídica da Exclusividade
Violação de Direitos Adquiridos
A exigência de exclusividade viola o princípio fundamental dos direitos adquiridos.
Descendentes que nasceram com direito à cidadania italiana iure sanguinis não
podem ter este direito retroativamente removido por mudanças legislativas
posteriores.
O direito à cidadania italiana por descendência é considerado um direito originário,
não derivado, que existe desde o nascimento independentemente de reconhecimento
formal. A nova lei tenta transformar este direito originário em um direito
condicionado, violando princípios constitucionais básicos.
Discriminação Arbitrária
A lei cria discriminação arbitrária entre descendentes baseada em fatores fora de seu
controle:
Descendentes de italianos que nunca se naturalizaram: Mantêm o direito
Descendentes de italianos naturalizados: Perdem o direito
Descendentes de italianos que se naturalizaram por pressão: Perdem o direito
Descendentes de italianos que se naturalizaram por necessidade: Perdem o
direito
Esta discriminação não tem base racional ou proporcional, violando o princípio
constitucional da igualdade.
Violação da Proteção Familiar
A Constituição italiana protege a família e os vínculos familiares. A nova lei rompe
artificialmente vínculos familiares baseados na cidadania, separando famílias onde
alguns membros têm direito à cidadania e outros não, dependendo das escolhas de
antepassados distantes.
Impacto Socioeconômico
Perda de Oportunidades Europeias
Milhões de brasileiros perdem acesso a: – Mercado de trabalho europeu sem
necessidade de vistos – Universidades europeias com taxas preferenciais – Sistema
de saúde europeu em caso de residência – Livre circulação em 27 países da União
Europeia – Proteção consular italiana em qualquer lugar do mundo
Impacto no Turismo e Investimentos
A exclusão de milhões de potenciais cidadãos italianos pode afetar: – Turismo para a
Itália: Redução de visitantes brasileiros com vínculos familiares – Investimentos
imobiliários: Menor interesse em propriedades na Itália – Intercâmbio cultural:
Redução de programas educacionais e culturais – Negócios bilaterais: Menor
interesse em empreendimentos ítalo-brasileiros
Estratégias Legais de Contestação
Ações Constitucionais Diretas
Advogados especializados estão preparando ações diretas na Corte Constitucional
italiana questionando:
- Violação do artigo 3º (princípio da igualdade)
- Violação do artigo 22 (direito à cidadania)
- Violação do artigo 29 (proteção da família)
- Violação de tratados internacionais
Processos Individuais
Cada descendente afetado pode iniciar processo judicial individual alegando: – Direito
adquirido à cidadania italiana – Inconstitucionalidade da nova lei – Violação de
direitos fundamentais – Discriminação arbitrária
Ações Coletivas
Organizações de ítalo-descendentes estão organizando ações coletivas para: –
Maximizar impacto judicial – Reduzir custos individuais – Criar precedentes
favoráveis – Pressionar por mudanças legislativas
Alternativas para Descendentes Excluídos
Cidadania por Matrimônio
Descendentes excluídos podem considerar: – Casamento com cidadão italiano:
Naturalização após 2-3 anos – União civil registrada: Mesmos direitos do matrimônio –
Residência na Itália: Facilita o processo de naturalização
Cidadania por Residência
Opções de naturalização por residência: – 10 anos de residência legal para
estrangeiros em geral – 5 anos para refugiados ou apátridas – 3 anos para
descendentes de cidadãos italianos (até 3º grau) – Conhecimento de italiano nível
B1 obrigatório
Investimento e Trabalho
Caminhos alternativos através de: – Visto de investimento: Para empreendedores e
investidores – Visto de trabalho qualificado: Para profissionais especializados – Visto
de estudo: Para estudantes universitários – Visto de aposentadoria: Para
aposentados com renda comprovada.
Mobilização da Comunidade
Organizações Ativas
Diversas organizações estão mobilizadas contra a nova lei: – AGIS (Associação Geral
dos Italianos no Exterior) – Comites italianos no Brasil – Associações de ítalodescendentes – Escritórios de advocacia especializados
Campanhas de Conscientização
Iniciativas em curso incluem: – Petições online para revogação da lei – Campanhas
nas redes sociais (#CidadaniaItalianaDireito) – Manifestações em consulados
italianos – Lobby junto a parlamentares italianos.
Apoio Político
Políticos brasileiros e italianos manifestaram apoio: – Deputados federais brasileiros
de origem italiana – Parlamentares italianos eleitos no exterior – Prefeitos de cidades
com grande comunidade italiana – Governadores de estados com imigração italiana
histórica.
Perspectivas de Reversão
Cenários Possíveis
Cenário 1 – Inconstitucionalidade Total: A Corte Constitucional declara toda a Lei
74/2025 inconstitucional, restaurando direitos anteriores.
Cenário 2 – Inconstitucionalidade Parcial: Apenas a exigência de exclusividade é
declarada inconstitucional, mantendo outras restrições.
Cenário 3 – Constitucionalidade com Ressalvas: A lei é considerada constitucional,
mas com interpretação restritiva de sua aplicação.
Cenário 4 – Mudança Legislativa: Pressão política leva a nova lei revogando ou
modificando a Lei 74/2025.
Fatores Determinantes
O resultado dependerá de: – Pressão internacional sobre o governo italiano –
Mobilização da comunidade ítalo-descendente – Impacto econômico da perda de
cidadãos potenciais – Decisões judiciais em casos individuais – Mudanças políticas
na Itália.
Recomendações Práticas
Para Descendentes Afetados
- Documentar completamente a árvore genealógica
- Verificar se há exceções aplicáveis ao caso
- Consultar advogado especializado em direito constitucional italiano
- Considerar ação judicial individual ou coletiva
- Explorar vias alternativas de cidadania
- Manter-se informado sobre desenvolvimentos legais
Para Profissionais da Área
1. Atualizar conhecimento sobre a nova legislação
2. Orientar clientes sobre alternativas viáveis
3. Participar de ações coletivas quando apropriado
4. Acompanhar jurisprudência emergente
5. Colaborar com organizações de defesa de direitos
Conclusão: A Luta Continua
A exigência de exclusividade da cidadania italiana representa um retrocesso histórico
nos direitos dos ítalo-descendentes. Milhões de brasileiros que sempre se
consideraram com direito à cidadania italiana foram sumariamente excluídos por uma
lei que ignora realidades históricas e viola princípios constitucionais fundamentais.
No entanto, a luta está longe de terminar. A mobilização da comunidade ítalodescendente, o questionamento judicial da lei e a pressão política podem levar à
reversão desta injustiça. Cada processo individual contribui para o esforço coletivo de
restaurar direitos que foram arbitrariamente removidos.
A cidadania italiana por descendência não é apenas um documento, mas o
reconhecimento de vínculos familiares, culturais e históricos que transcendem
fronteiras. A Lei 74/2025 pode ter criado obstáculos, mas não pode apagar a herança
italiana que vive no coração de milhões de brasileiros.
A esperança reside na justiça, na mobilização e na determinação de uma comunidade
que não aceita passivamente a negação de seus direitos históricos. O futuro da
cidadania italiana para ítalo-brasileiros será decidido nos tribunais e nas urnas, e cada
voz importa nesta luta fundamental.
Paulo Padovani é consultor especializado em cidadania italiana com mais de 20 anos
de experiência desde 2005. Para orientação sobre alternativas legais e estratégias de
contestação, entre em contato através dos canais oficiais.